quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Av. Almirante Reis /Rua Marques da Silva


" Marques da Silva (Rua) - Freguesia de Arroios e da Penha de França - O nome mais antigo que sabemos ter tido é o de calçada da Penha de França (desde 1710), passando alguns anos depois, ao tempo do terremoto, a ser designada por Caracol da Penha ou por travessa do Caracol da Penha.
   Castilho, que na sua Lisboa Antiga [vol. IX, 2ª ed. p. 173] se ocupou desta serventia pública, diz-nos: « O próprio Caracol da Penha (que parece tão calado) se o interrogarmos, dir-nos-á que ainda em 1857 não era mais que uma estreita e pitoresca azinhaga, com foros de caminho de pé posto. Passar aí de noite, só Amadis de Gaula ou Ferrabraz da Alexandria; quaisquer outros mortais eram exterminados.
   « Em sessão de 2 de Abril desse ano de 1857 (nos dirá o Caracol) recebeu da Câmara de Lisboa participação de haver sido aprovada pelo Conselho Distrital a deliberação tomada em 2 de Março antecedente, para expropriação de certo terreno afim [sic] de se começarem ali alguns melhoramentos projectados (Anuário do Mun. de Lisboa, 1857, nº 33, p. 260).
   «Em sessão de 10 de Dezembro, autoriza a Câmara o alargamento do Caracol, segundo a planta do engenheiro (Idem 1859, nº 44, p. 361).
   «Finalmente, em 11 de Julho de 1859 determinou-se que se anunciasse a arrematação da obra da muralha (Id., ib.), na estrada que trepa elegantemente aquela encosta a pino».
   As obras então ali feitas tiveram incontestàvelmente alguma importância, e por isso, em 1863, Vilhena Barbosa já nos dizia: « do lado oeste mostra o monte a sua maior altura com muito íngreme declive, por onde dantes subia o escabroso e tortuoso caminho chamado Caracol da Penha de França, que ora vemos sustituído por uma bela estrada macadamizada, em zig-zag, orlada de árvores e iluminada a gaz» (Arq. Pitoresco, vol. VI, p. 71.).
   No entanto não teriam de ser estes os últimos melhoramentos com que a Rua foi beneficiada, e assim, chegados a 1891, vemos a que a artéria tinha sido de novo alargada, se não em toda a sua extensão, pelo menos na parte que desemboca na Rua de Arroios. Neste ano, também, foi a rua crismada e da pitoresca denominação de Caracol da Penha passou, insìpidamente, a ter a de Rua Marques da Silva. Assim o determinou o edital saído a 5 de Outubro.
   Perguntemos agora: Marques da Silva porquê? [continua...] "
Luiz Pastor de Macedo, Lisboa de Lés-a-Lés, vol. IV, Pub. Culturais da C.M.L., Lisboa, 1968, pp. 52-54.

" [...] Perguntemos agora: Marques da Silva porquê? quem foi aquele senhor? que fêz ele? Marques da Silva que conhecêssemos com probabilidades de merecer consagração municipal por intermédio duns letreiros de tinta preta pintados nas esquinas de qualquer artéria, só nos lembrávamos de um, o arquitecto Adolfo António Marques da Silva, que foi um dos fundadores da Associação dos Arquitectos Portugueses, o auxiliar de Parente da Silva nos trabalhos preparatórios para o projecto de restauro da Sé, etc. Mas este Marques da Silva não podia ser o que ficou memorado nos cunhais do antigo Caracol da Penha porque tendo nascido em 1876 não podia com 15 anos de idade merecer a atenção dos edis lisbonenses. Que Marques da Silva era pois aquele? O padre António Marques da Silva, ex-frade dominicano, que publicou dois sonetos e uns Erros de concordância do relativo «cujo» demonstrados e emendados em 13 páginas, segundo informação de Inocêncio, e que acabou os seus dias empregado na Biblioteca Nacional? Ná... Não víamos ponta por onde se lhe pegasse... E fomos ao local. Talvez nos dísticos camarários houvesse alguma indicação. E havia, sim senhor. Lá estava Rua Marques da Silva - 1844/1907 - Escritor.
  O leitor que não se dá ao trabalho inglório da investigação, mal adivinha a alegria que experimentam os rebuscadores de novidades antigas, quando, perante um caso fechado se encontra, laboriosamente, uma porta de entrada. Não é a sorte grande, por certo (que nós não sabemos o que é ser ser-se contemplado com a sorte grande da Santa Casa) mas é a sorte que dá uma alegria que por sua vez garante umas horas ou dias, conforme o alcance da descoberta, de esplêndida disposição. Pois nós, depois de termos passado um ror de tempo a querer vislumbrar o autêntico Marques da Silva, através de mil hipóteses formuladas de parceria com os nossos botões, não tivemos uma alegria ao lermos o dístico da artéria, tivemos e justificadamente um alegrão. Pronto. O Marques da Silva era afinal um escritor que tinha nascido em 1844 e que falecera em 1907. Não era tudo, evidentemente, mas era quási tudo.
  No entanto - confissão completa, que o leitor merece a nossa consideração e a nossa confiança - no entanto a‑par da nossa alegria, intìmamente, muito intìmamente, revirava-se com certa irreverência uma pontinha de despeito. Sim. E bem vistas as coisas, a pontinha de despeito tinha toda a razão em revirar-se no nosso íntimo, travando e arrefecendo um pouco o nosso alegrão. Na verdade era imperdoável que não soubéssmos que tinha havido um escritor Marques da Silva e para mais um escritor que tinha merecido uma homenagem municipal. Mas se a pontinha de despeito, passados os primeiros momentos, refreou a alegria, a alegria, por sua vez não consentiu que nos sentíssemos excessivamente envergonhados perante a nossa indesculpável ignorância. E começámos a deitar abaixo as nossas prateleiras à procura do escritor que com certeza todos conheciam excepto nós.
  Trabalho baldado. Nem um breve rastro se nos deparou. Decidimo-nos então a perguntar e escolhemos claro está o nosso amigo mais íntimo. Sempre é menos vexatório mostrarmos a nossa ignorância a um amigo íntimo.
  - Ora diga-me cá. V. sabe quem foi o escritor Marques da Silva?
  - Quem?
  - ... Aquele que mereceu em vida pintarem-lhe o nome nas esquinas do Caracol da Penha...
  - Marques da Silva?

  - Sim. Que faleceu em 1907...
  E quando esperávamos que o nosso amigo exclamasse admirado: - Pois V. não sabe quem foi? Essa agora..., etc. etc. - respondeu naturalmente:
  - Não. Marques da Silva que fosse escritor, não me recordo de nenhum...
  Mais afoitos, perguntámos a outro amigo, depois a outro, em seguida a outros, por fim a todas as pessoas do nosso conhecimento que encontrávamos. Não. Marques da Silva e então um Marques da Silva que merecesse como escritor aquela homenagem muncipal, ninguém conhecia, ninguém se lembrava...
  Fomos em seguida aos livros de actas das sessões camarárias e dispostos a ir ao fim do mundo se nos palpitasse que só lá descobriríamos o decantado escritor. Mas felizmente não tivemos necessidade de passarmos das actas. Na que diz respeito à sessão de 25 de Setembro de 1891 lá está patente em bom cursivo o Marques da Silva almejado. Caiu-nos porém a alma aos pés. O Marques da Silva que se tratava não nascera em 1844, não falecera em 1907, nem fora escritor... Então? Era ao tempo um comerciante que morava na rua dos Anjos e que era proprietário da célebre Quinta da Imagem, ali ao Caracol da Penha, ao virar para a rua de Arroios, quinta da qual o sr. João Marques da Silva, - era este o seu nome - ofereceu uma fatia à Câmara para alargamento da travessa do Caracol! E lá vimos que foi nessa sessão que o vogal da Comissão Administrativa do Município, sr. Costa Lima, propôs, e foi aprovado, para que a travessa passasse a ter o nome do proprietário local que contemplou a cidade com aquela nesga de terreno da sua quinta.
  Ora veja lá o leitor como estas coisas são!
  Mas ficava ainda um caso por resolver: o dos letreiros com a indicação do homenageado ter sido escritor e ter nascido e morrido em tais datas. Que estava mal, estava; mas as indicações também não tinham sido postas ali à toa. Tratava-se pois, evidentemente, duma confusão. E o escritor Marques da Silva aparecia outra vez. Com que homem de letras se teria confundido o Marques da Silva da Quinta da Imagem? Continuámos percorrendo a vereda das pesquisas, até que por fim chegámos à conclusão de que o escritor que os serviços camarários supunham estar memorando nos dísticos da artéria era o Salvador Marques que também era da Silva e que na verdade nascera em 1844 e falecera em 1907. Deve-se porém notar que o escritor dramático Salvador Marques foi sempre conhecido por este nome e nunca por Marques da Silva.
  E basta. Ponhamos de lado este assunto mas já agora convidemos a Ex.ma Câmara a apagar dos dísticos da torcicolada via pública as datas que lá estão e a substituir o adjectivo escritor pelo de benemérito.
Luiz Pastor de Macedo, Lisboa de Lés-a-Lés, vol. IV, Pub. Culturais da C.M.L., Lisboa, 1968, pp. 54-58.
Texto retirado do Blog Bic Laranja


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